As novas usinas termelétricas impostas pelo Congresso Nacional, em uma manobra de parlamentares, como condição para permitir a privatização da Eletrobras vão gerar custo adicional de R$ 52 bilhões ao país. O valor considera apenas a operação delas até 2036. E o gasto extra pode ocorrer mesmo que a empresa não seja vendida neste ano, de acordo com analistas.
O dado faz parte de um documento elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), do Ministério de Minas e Energia, que foi publicado sem alarde no último dia 6 de abril, e que pela primeira vez mensura o impacto do uso dessas termelétricas, que acabará chegando ao bolso do consumidor, considerado sem lógica econômica por muitos especialistas.
A previsão de contratação de 8 mil megawatts (MW) de novas usinas a gás, que serão construídas nas regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste, foi incluída como um “jabuti” na medida provisória, depois convertida em lei, que trata da oferta de ações ao mercado da Eletrobras, maneira pela qual a estatal será privatizada.
Início de operação em 2026
Na ocasião, congressistas incluíram a exigência das térmicas no principal artigo da MP, que ficou redigido assim como um único parágrafo de várias páginas, para evitar que o governo vetasse este trecho — se optasse pelo veto, a própria privatização da Eletrobras seria inviabilizada. As usinas têm entrada em operação prevista entre 2026 e 2030.
O valor de R$ 52 bilhões estimado pela EPE considera apenas o ônus de acionar essas usinas. Além disso, haveria o custo da construção delas e de gasodutos para abastecê-las — muitas dessas térmicas estão previstas para áreas sem fornecimento local de gás.
A EPE tem entre suas atribuições traçar cenários para o fornecimento de energia do país. E, na sua mais recente revisão do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE), calculou o impacto do uso dessas térmicas, cuja geração é mais cara.
No cenário chamado “Rodada Livre”, que considera apenas as decisões do modelo matemático (ou seja, com base no menor preço) e tem predominância de geração eólica e solar, são necessários R$ 93 bilhões para operar o sistema durante a próxima década.
Já no intitulado “Cenário de Referência”, que incorpora as diretrizes de política energética como os efeitos da lei da privatização da Eletrobras, são necessários R$ 145 bilhões.
“Essa mudança de composição da matriz resulta em um maior custo de operação para o sistema”, diz a EPE.
Essa despesa extra, assim como os custos da construção e implantação das térmicas, segundo especialistas, vai pressionar ainda mais a conta de luz nos próximos anos, já que todo os gastos extra são repassados às tarifas.
— Pela primeira vez, a EPE apresentou a perspectiva de custo para o brasileiro e fez a conta considerando as obrigações com a lei que prevê a privatização. Além disso, haverá maior emissão dos gases causadores do efeito estufa — alerta Bernardo Bezerra, diretor de inovação, produtos e regulatório da Omega Energia.
Malha de gasodutos
Bezerra destaca ainda que em muitas das áreas onde serão construídas as usinas termelétricas não há sequer linhas de transmissão de energia, nem gasodutos para transportar esse gás. Segundo ele, é uma equação “desafiadora”:
— É preciso construir gasodutos para viabilizar essas térmicas; e são elas que tornam um gasoduto viável. Como você desenha um leilão para viabilizar os dois em uma tacada só? São dinâmicas diferentes, pois o gasoduto é feito via autorização com planejamento do governo. E a térmica é um investimento de decisão privada. E, para o país, qual é o benefício de levar gás para o Centro-Oeste, por exemplo, e depois construir uma linha de transmissão para os grandes centros?
Além disso, a EPE lembra que “a própria dinâmica da contratação pode resultar, dentro de uma mesma região, no estabelecimento de usinas de grande porte que podem se concretizar tanto de forma adjacente como em áreas muito afastadas entre si, o que muda totalmente a abordagem do planejamento da expansão da transmissão”.
— É um processo cercado de incertezas e custo superior aos cerca de R$ 50 bilhões, que vai bater no bolso do consumidor. E a lei não é clara sobre fazer ou não o leilão em caso de não ocorrer a privatização da Eletrobras — disse Clarice Ferraz, diretora do Instituto Ilumina.