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Coluna da Angélica- 60 anos do golpe militar: entender para não repetir

1- Lembrar

Sessenta anos atrás o golpe de 64 derrubou o presidente João Goulart (PTB), e instaurou no Brasil uma ditadura militar que se estendeu até 1985. Apesar de falar de tema tão complexo em poucas notas ser uma tarefa inglória, vamos tentar abrir uma fresta nas gavetas do passado apesar do risco de ressuscitar figuras como CurióFleury e Ustra, de triste memória. Afinal, milhões de brasileiros que não viveram os anos de chumbo, pedem uma ditadura e uma intervenção militar sem saber das barbaridades ocorridas.  Historiadores divergem sobre a data. Muitos assinalam a madrugada de 1º de abril que teria sido mudada para 31 de março por o 1º de abril ser o Dia da Mentira. Nem a data é consenso porque o livre-pensar e o livre-registrar foram impedidos. Disciplinas como filosofia e sociologia foram substituídas por Educação, Moral e Cívica e  OSPB (Organização Social e Política Brasileira). Através delas a ideologia do regime autoritário era transmitida. As duas matérias eram obrigatórias em todas as escolas do país. Foram 20 anos de controle das mentes através da censura e reforçada pelo exílio, repressão policial, tortura, mortes e desaparecimentos. A ditadura militar criou para isso uma poderosa máquina de espionar e matar, associada a uma máquina de alienar.

2-…para não repetir

O golpe no Brasil aconteceu no contexto da Guerra Fria.  Estados Unidos e União Soviética que saíram da segunda guerra mundial como as duas grandes potências antagônicas disputavam áreas de influência no mundo. Durante a Guerra Fria, estima-se que a CIA tenha participado de no mínimo, 26 golpes de estado. Um deles no Brasil. O golpe militar de 64 foi exportado pelos EUA em nome de uma “cruzada contra o comunismo”. O Brasil integrava o grupo de países não alinhados. Aqueles que não seguiam os EUA nem a URSS. Com o golpe se alinhou à política de guerra fria no interesse do imperialismo estadunidense. A guerra fria acabou em 1991, 33 anos atrás, mas a idiotização dos Brazilian comuns, não. Até hoje existem segmentos políticos no Brasil que dizem lutar contra o comunismo. Mesmo sem guerra fria. Mesmo nunca tendo havido um governo comunista no país. Para dar o golpe de 64 as mesmas falsas  bandeiras foram desfraldadas:  lutar contra a corrupção, sanear a economia, impedir a “subversão”, a “república sindicalista”, a “ameaça comunista”.

3-Luta 

O golpe de 64 foi dado com o STF e com tudo. Tinha o apoio de 80% do exército, 72% do empresariado, 66% do clero e 58% dos estudantes. Consequência de uma massiva campanha de propaganda bancada pelos EUA que era feita através do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e do Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), além do rádio, tv, cinema e jornais pregando o anticomunismo e a oposição a João Goulart. Uma campanha que antecedeu o golpe em pelo menos 3 anos.  O investimento estadunidense nessas campanhas é avaliado em 5 milhões de dólares. Metade do que custou a campanha presidencial de John Kennedy. Paralelo a isso os EUA cortaram investimentos e empréstimos para o Brasil. Na data do golpe a Marinha dos EUA enviou uma esquadra com 1 porta-aviões, 6 contratorpedeiros, 1 porta-helicópteros e 4 petroleiros. Mas a influência dos EUA foi além desta Operação Brother Sam. Eles interferiram diretamente no Brasil também para derrubar o general-presidente-ditador Ernesto Geisel, mais de 10 anos depois do golpe,  porque este contrariou os interesses estadunidenses e assinou um acordo nuclear com a Alemanha. Esse acordo permitia ao Brasil desenvolver tecnologia nuclear própria. Os EUA queriam continuar a vender tecnologia para o Brasil e manter o país na condição de exportador de matérias primas.

4-…de classes

Em 13 de março de 1964 o presidente João Goulart, em um comício na Central do Brasil,  anunciou novas medidas que seriam implantadas.  Entre elas,  a desapropriação de terras às margens das rodovias, ferrovias e açudes públicos abrindo caminho para a reforma agrária; a estatização das refinarias de petróleo, o tabelamento dos preços dos aluguéis e a desapropriação de imóveis desocupados. As reformas de base objetivavam o desenvolvimento econômico com distribuição de renda. Beneficiavam a população pobre. O povo, a massa, aí incluídos as Ligas Camponesas, UNE, Comitê de Cultura, CGT, artistas, intelectuais e militares nacionalistas, apoiavam as reformas. Uma pesquisa do Ibope às vésperas do golpe mostrava que o presidente João Goulart tinha a aprovação de 86% nas classes mais pobres. As classes dominantes estavam politicamente derrotadas pela intensa mobilização popular da época e para não perder privilégios apoiaram o golpe. Pois bem, o anúncio das reformas foi a deixa para os militares golpistas. 18 dias depois os tanques estavam nas ruas e Jango era retirado do poder. Foi uma guerra contra o povo. E para que não restem dúvidas quanto a isso basta dizer que a FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), financiou a repressão através da Operação Bandeirantes (OBAN). Em tempo, na vigência da ditadura militar o exército podia interpelar qualquer pessoa nas ruas e se a criatura não tivesse carteira de trabalho assinada podia ser presa por crime de vadiagem.

5-Família com Deus

Dias antes do golpe, 500 mil pessoas saíram às ruas na marcha da Família com Deus pela Pátria, em apoio a uma intervenção militar. A marcha tinha o apoio da Igreja Católica e das mulheres “democratas”. A  campanha da mulher pela democracia levou as dondocas para as ruas defender um regime autoritário em defesa da democracia. Por mais paradoxal que seja.  As patroas “democratas” obrigaram suas empregadas domésticas participarem.  Elas tinham o slogan “vermelho só o batom”. Dias antes em um ato em Minas Gerais senhoras católicas tentaram calar o presidente Jango, brandindo seus rosários. João Goulart disse então a frase icônica ” os rosários da fé não podem ser levantados contra o povo”. Mas se levantaram. Elas tinham o apoio do padre Patrick Peyton. O que cunhou a frase “família que reza unida permanece unida”. Milhares de famílias foram destruídas durante a ditadura.

6-Agente da CIA

Dan Mitrione, um agente da CIA que ministrou  aulas práticas de tortura no Brasil, tendo como cobaias presos políticos. O professore de tortura que ensinava a “tortura científica”, foi executado no Uruguai pelo grupo de resistência Tupamaros. Mitrione ensinava aos seus alunos brasileiros como aplicar a dor na dose certa, com a intensidade exata, no local mais apropriado, para extrair a maior quantidade de informações.

7- Economia

O modelo econômico imposto pelo regime militar priorizou os interesses dos EUA em detrimento do desenvolvimento do Brasil. Os Estados Unidos liberaram 1 bilhão de dólares para o primeiro ditador militar, marechal Humberto de Alencar Castelo Branco.  Entre 1968 e 1973, o Brasil viveu o período do chamado “milagre econômico” que aconteceu num cenário internacional favorável.  O comércio  internacional crescia num ritmo de 17,8% e o preço das commodities no mercado mundial estavam a uma taxa anual de 14,3% . O que  favoreceu os exportadores de produtos primários como o Brasil que exportava minério de ferro e produtos agrícolas. O bolo cresceu. Mas poucos podiam come-lo. Em pleno “milagre econômico” o salário mínimo representava a metade do poder de compra que tinha em 1960. A maior parte dos benefícios foi para as classes mais altas.  Por trás da prosperidade escondia-se a exploração dos trabalhadores. Para atrair o empresariado, o governo militar achatou os salários dos trabalhadores e fez uma intervenção nos sindicatos o que garantia que as negociações favorecessem os empresários. Ou seja, os direitos dos trabalhadores foram reduzidos à vontade dos patrões. De 1964 a 1979, ocorreram 1.202 intervenções em sindicatos.  364 sindicatos foram dissolvidos. Com fiscalização deficiente os acidentes de trabalho se multiplicaram. As pessoas eram obrigadas a aceitar as condições. Quem era pego na rua sem carteira de trabalho assinada podia ser preso por vadiagem. Com as exportações priorizadas, a indústria nacional foi sucateada e não podia competir com as estrangeiras.  O baixo investimento na escola pública levou ao crescimento da escola privada, inacessível à maioria da população.  A Saúde Pública sofreu a mesma falta de atenção o que levou ao crescimento da rede privada, também inacessível aos pobres. O Inamps (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social) era responsável pelo atendimento público, mas só atendia quem tinha carteira de trabalho assinada.  Quem lutava por educação, saúde, democracia e melhores salários era considerado inimigo do regime. Ia preso e podia ser torturado e morto. Com tudo isso, ao deixar o poder, o regime militar entregou o Brasil com uma inflação de cerca de 200% e uma dívida externa, que permaneceu impagável por toda a primeira década de redemocratização. Na saída dos militares do poder, o Brasil devia o equivalente a 53,8% do PIB. Devia mais da metade do que arrecadava.

8- Corrupção

Os regimes ditatoriais favorecem a corrupção porque ninguém pode questioná-los. Foi durante a ditadura militar que as empreiteiras como a Odebrecht por exemplo, consolidaram sua vinculação ao Estado com as grandes obras de infraestrutura da época. Favoreciam  governantes para obter vantagens. Os casos de superfaturamento e desvio de dinheiro público abundam nos relatórios pós-ditadura. Exemplos disso são a construção da Ferrovia do Aço e a Transamazônica. Foi também durante a ditadura que militares passaram a se relacionar com o contrabando. Escoltavam e intermediavam negócios dos contraventores e muitas vezes roubavam a carga de outros contrabandistas. Entre eles alguns honrados com a Medalha do Pacificador por combates a guerrilhas. O próprio “herói” da repressão, delegado Sérgio Fleury que atuou na captura, tortura e assassinato de presos políticos, era líder de um Esquadrão da Morte ligado ao tráfico de drogas e extermínios. A Capemi (Caixa de Pecúlio dos Militares), empresa dirigida por militares foi beneficiada na concorrência para explorar madeira no Pará – pelo menos 10 milhões de dólares teriam sido desviados. Foram tantos casos que o general Geisel utilizou a “corrupção das Forças Armadas” como uma das justificativas para iniciar a “abertura” política e afastar os militares dos encantos e armadilhas do poder de Estado. Em tempo, os militares apresentavam como um dos pretextos para o golpe, o combate à corrupção. Deve-se ressaltar entretanto que 7,5 mil membros das Forças Armadas e bombeiros foram perseguidos, presos, torturados ou expulsos das corporações por se oporem à ditadura. O último general-ditador, João Baptista de Figueiredo, que executou o plano de Geisel de abrir o país para a democracia dizia: “eu prendo e arrebento mas vou fazer deste país uma democracia”.

9-Vítimas

As vítimas do período da ditadura somos todos nós. Os herdeiros de um regime de terror que deixou marcas indeléveis na política, na economia e nas mentes alienadas que pedem ainda hoje, uma intervenção militar. Mas milhares de brasileiros sofreram na pele. Literalmente. Mais de 50 mil brasileiros foram presos. Cerca de 7 mil foram exilados.  Centenas foram banidos. Cerca de 434 foram mortos ou estão desaparecidos.  800 foram julgados pelos tribunais militares. Os dados referem-se a apenas 20% do que ocorreu. 80% dos arquivos dos órgãos de especializados em prisões, tortura e perseguição aos opositores da ditadura sequer foram abertos. Haviam centros clandestinos de tortura e morte em vários estados. Nesses locais os métodos era horríveis. Pau-de-arara, choques elétricos na boca, testículos, ouvidos, afogamentos com água e também com urina, privação do sono, exposição a altas e baixíssimas temperaturas, espancamentos dos mais variados tipos, palmatória na sola dos pés, das mãos e nas costas, “telefones” (pancada com as duas mãos no ouvido que provocava o rompimento dos tímpanos), soro da verdade, isolamento prolongado com sons estridentes nas celas escuras, privação de água e comida e estupros, dentre outros. Nesse clima de terror real e nacionalismo artificial todos os que não apoiassem o regime eram considerados suspeitos ou inimigos. A ditadura espalhou seu controle sobre toda a vida social. O navio Raul Soares foi transformado em navio-prisão. O Secretário político da Juventude Comunista, José Montenegro de Lima foi assassinado com injeções de matar cavalo.

10-Desaparecidos

Para impedir a identificação de cadáveres o regime militar arrancava os dentes e parte dos dedos para encobrir as impressões digitais de assassinados. Muitos cadáveres foram  jogados em rios ou no mar com cimento ou pedras nos estômagos para que não boiassem. Muitos corpos eram esquartejados e as partes enterradas em locais diferentes para dificultar a identificação.  Outros eram enterrados em valas comuns para indigentes. Muitos tiveram os corpos cremados na Usina Cambahyba, no interior do Rio de Janeiro. Em janeiro de 1971, o deputado federal cassado Rubens Paiva foi convocado no Rio de Janeiro para prestar um depoimento na polícia e nunca mais voltou. Como ele, muitos outros nunca foram encontrados.

11-Resumo

A ditadura militar subtraiu as liberdades democráticas, impôs o arrocho salarial, ampliou a desnacionalização da economia e favoreceu o capital internacional. Não é uma página virada. A ferida não cicatrizou. Seus reflexos permanecem vivos na sociedade brasileira.  As principais mazelas que afligem a sociedade brasileira têm seu DNA nas medidas que foram implantadas durante a ditadura. Em especial na economia e na alienação resultante das intervenções na Educação e a desinformação. O criminoso terrorismo de Estado tinha o poder da violência como método. E o executava com mistificação.  Tendo como política de Estado o engodo, execuções e torturas, inclusive de crianças,  ocultação de cadáveres, perseguições política, racial e de classe e cassação de mandatos de parlamentares. Foi uma ditadura de cunho fascista . Substituiu o voto para presidente da República, governadores e prefeitos das capitais por indicações do ditador. Aboliu a Constituição. Fechou o Congresso. Alterou a composição do STF e governou através de decretos e Atos Institucionais. Só para se ter uma ideia, de abril de 64 a novembro de 66 a ditadura militar publicou 5.685 decretos, três Atos Institucionais, 24 Atos Complementares e 838 leis. Paralelo a isso, executou a contenção dos salários e direitos trabalhistas ao mesmo tempo em que aumentou as tarifas dos serviços públicos e restringiu o crédito.

12-Para Refletir

“Só vos peço uma coisa: se sobreviverdes a esta época, não vos esqueçais! Não vos esqueçais nem dos bons, nem dos maus. Juntai com paciência as testemunhas daqueles que tombaram por eles e por vós”. Julius Fuchik, jornalista checoslovaco integrante do movimento de resistência durante a ocupação nazista. 60 anos depois as novas gerações precisam conhecer a verdade sobre aqueles tempos sombrios para não serem enganadas ou embarcarem em aventuras autoritárias. Nada como conhecer o passado para não se repetir tragédias no futuro.

Bom dia, brasileiros. Que o triste aniversário de hoje nos leve a busca pelo conhecimento que por sua vez pode nos nos conduzir ao amadurecimento democrático. Que nunca mais admitamos um regime de terror, uma ditadura neste país.

Coluna de opinião e reflexão

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