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PF detecta gastos e pagamentos suspeitos em operações com cartões de crédito do governador Gladson Cameli

Governador do Acre e esposa estão metidos num mar de grana e lama, diz a manchete da revista Carta Capital

Governador do Acre e esposa estão metidos num mar de grana e lama, diz a manchete da revista Carta Capital

Em 13 de fevereiro de 2021, o coronel da PM Amarildo ­Camargo foi a uma concessionária da Toyota em Rio Branco, capital do Acre, a Xapuri Motors, pegar 70 mil reais em espécie. O dinheiro havia sido deixado lá na véspera pelo empresário Rudilei ­Soares de Souza.Candidato a deputado federal pelo PP do Acre em 2018, Rudilei “Estrela” ficou dez dias em cana em dezembro, acusado pela Polícia Federal de intimidar o gerente da concessionária, Ismael Silvestre da Silva. Este contara à PF o rolo dos 70 mil. No dia da prisão de Estrela, Camargo foi afastado pela Justiça do cargo público que ocupava. Era o chefe da segurança do governador do Acre, Gladson Cameli, também do PP.A vitória em 2018 parece ter feito muito bem ao bolso do governador e ao da esposa, Ana Paula. Não espanta o casal estar metido em um mar de lama, motivo de a PF, na Operação Ptolomeu, de dezembro, e a Polícia Civil, no caso da “máfia dos precatórios”, devassarem a vida e o governo de Cameli. São apurações sobre aparente lavagem de dinheiro de propina por meio de carros de luxo e imóveis e de pagamento de faturas de cartão de crédito.Por causa dessas investigações, o casal e suas duas empresas tiveram 6,8 milhões de reais bloqueados em dezembro pelo Superior Tribunal de Justiça. “É o maior escândalo de corrupção dos últimos tempos, depois do ‘petrolão’”, disse a ­CartaCapital o Major Rocha, do PSL, vice de ­Cameli, com quem rompeu. “O governador é líder de uma organização criminosa.”O saque de 70 mil pelo chefe da segurança de Cameli é um dos fatos mais insólitos do lamaçal. À PF, em 4 de maio de 2021, o gerente da concessionária disse ter avisado o governador sobre a bufunfa. A polícia chegara a Silvestre graças a um depoimento de Estrela em um inquérito que mirava a prefeitura de Rio Branco. Este caso, a Operação Assepsia, averiguava o desvio de 1 milhão de reais na compra de material utilizado contra a pandemia.Em junho de 2020, quando a Assepsia saiu às ruas, o alvo era o preposto da firma vencedora de uma licitação municipal fajuta. O sujeito, Patrick de Moraes, foi detido e, no celular dele, havia contatos com Estrela, chamado de “governador”. Os investigadores entendem assim a razão da alcunha: Estrela seria o “operador financeiro” de Cameli, aquele que arranjava formas de movimentar a propina e ocultar a origem. Na fase 2 da Assepsia, em 15 de abril de 2021, o alvo era o operador. Os policiais encontraram em sua residência uma Pajero, placa QWP1A00, registrada em nome de Cameli. Interrogado, Estrela afirmou tê-la adquirido na ­Xapuri Motors, e que tinha pagado com uma transferência de 110 mil, mais 120 mil em dinheiro. Tudo acertado com o gerente.

Ouvido pela PF, Silvestre negou a venda. E fez revelações “surpreendentes”. Estrela havia levado 70 mil à concessionária em 12 de fevereiro de 2021. ­Cameli tinha comprado uma BMW, placa ­QAZ1A01, em outra loja da ­Toyota, a Raviera Motors, em Campo Grande (MS), em dezembro de 2020. Como esse carro estava quitado, não havia motivo para a Xapuri embolsar os 70 mil. ­Silvestre procurou o governador e, no dia seguinte, Camargo foi apanhar a bolada. Desde dezembro, o PM e Cameli estão impedidos de conversar. Ordem do STJ.

Nessa decisão, o tribunal proibiu a primeira-dama de entrar em repartições do governo do Acre. É em nome dela, Ana Paula, que a BMW está. O carro vale 530 mil reais. Um porteiro do prédio do casal contou a um policial, em um papo informal, que o veículo “permanecia escondido e saía raríssimas vezes, quando era dirigido pela primeira-dama”. A BMW foi confiscada pela PF. Quando foi emplacada, o endereço dado era inexistente. É um dos “fortes indícios” apontados pelos federais de que o mesmo foi adquirido com propina paga por uma empreiteira. Leia Mais

O pagamento da entrada da BMW foi de 110 mil reais, em 10 de dezembro de 2020, via transferência à Xapuri Motors por uma firma de Estrela, a Acácia Construções. É aquela grana que o empresário tinha dito à PF que era para pagar a Pajero de Cameli. A data de 10 de dezembro de 2020 é a mesma para a qual Estrela retroagiu a propriedade da Pajero, ao passar para si o que estava em nome de Cameli, alteração feita após Silvestre depor.

Na véspera de mandar 110 mil reais à concessionária, a Acácia recebera 310 mil da Atlas Construções, que tem contratos com o estado.

O comércio de carros, segundo a PF, seria um dos métodos do casal Cameli para esquentar grana de corrupção. Nessa hipótese, a Atlas teria pagado pedágio por contratos públicos. Na eleição de 2018, o governador declarou 2,9 milhões de reais em bens, incluídos quatro veículos, 202 mil ao todo. Era senador, cargo que já lhe fizera bem. Na campanha de 2014, seu patrimônio declarado era de 514 mil. Depois de assumir o governo, em 2019, adquiriu oito carros, por um total aproximado de 1,6 milhão de reais. Só modelos de luxo (Pajero, Hilux, Corolla…).

Em 21 de novembro de 2019, o Coaf, órgão federal de combate à lavagem de dinheiro, recebeu um comunicado sobre esquisitices em financiamentos automotivos a Cameli. O informante notara várias transações realizadas em um período curto e com valores abaixo daqueles de mercado. Resumo: após chegar ao poder no Acre, Cameli obteve quatro financiamentos, uns 350 mil ao todo, para adquirir veículos cujos preços reais se aproximavam de 1 milhão. Subfaturar carro seria um modo de branquear propina, suspeita a PF.

O comércio de carros, segundo a PF, seria um dos métodos do casal Cameli para lavar dinheiro sujo”.

Em 6 de abril de 2020, novo alerta de negócio estranho de Cameli. Partiu da Sabia Downtown Empreendimentos, com base em norma do Conselho Federal de Corretores de Imóveis que recomenda relatar ao Coaf sempre que, “por suas características”, uma transação possa “configurar indícios de crime”. Entre 20 de março e 1o de abril daquele ano, Cameli fez três tentativas de adquirir um apartamento de 5 milhões de reais.

Na primeira, compraria com sua GGC Holding. Não houve pagamento e o contrato caducou. Na segunda, o comprador seria ele próprio e o pagador, a firma de um irmão, a Construtora Rio Negro. A Sabia recusou a proposta. Na terceira, Cameli propôs que comprador e pagador fossem a Rio Negro. Não se sabe se deu samba.

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Pagamentos de faturas de cartão também resultaram em avisos ao Coaf. De outubro de 2018, mês em que se elegeu, a abril de 2020, o governador teve uma despesa mensal média de 65 mil a 70 mil reais com cartão. Entre as “diversas transações atípicas” analisadas, duas chamam atenção, em razão das circunstâncias e do dinheirão vivo. Em 13 de maio de 2019, um funcionário de Cameli foi a uma agência do Bradesco em Brasília com 50 mil reais para pagar uma fatura do governador. Por causa de uma norma de 2018 do Banco Central que veta quitar cash boletos de mais de 10 mil, o funcionário pagou em duas vezes, 9,950 mil no dia e 9,990 mil, no seguinte. Em 26 de fevereiro de 2020, um PM de Brasília, Henrique da Silva Rocha, foi a uma agência do banco público local, o BRB, com 81 mil, para pagar duas faturas do governador. Dada a norma sobre boletos de 10 mil, foi forçado a botar a grana na própria conta e, em seguida, pagar uma fatura de 45,5 mil e outra de 35,5 mil de Cameli. Ele tinha mais 80 mil e não quis depositá-los por “receio de ser notificado pelo Fisco, em face do volume de valores que ficariam registrados em sua conta”.

O PM é irmão de um homem de confiança do governador. Sebastião Rocha trabalhava com Cameli no Senado e foi nomeado assessor do escritório do Acre em Brasília. Foi afastado desse cargo e está proibido de falar com Cameli, por determinação de dezembro do STJ.

Uma semana depois, a Corte autorizou a prisão preventiva da chefe de gabinete do governador, Rosângela Gama. Parece a aposta dos investigadores em uma delação.

Procurado por CartaCapital para comentar as suspeitas em torno de seus negócios e cartões, Cameli respondeu por meio dos advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso. Estes disseram, em nota, que a Operação Ptolomeu é “um emaranhado de alegações genéricas” e que ela cita, “de forma imprecisa, uma série de movimentações financeiras e aquisições de bens ocorridas no âmbito privado, sem qualquer relação com a função pública exercida pelo governador”. Cameli é, de fato, de família rica. No contrato de financiamento de parte da compra da BMW da esposa, disse ter patrimônio de 50 milhões de reais, 17 vezes superior ao declarado à Justiça Eleitoral em 2018.  . A mesma nota afirma serem “infundadas”, “distorcidas” e destinadas a atingir a “integridade” de Cameli as suspeitas do caso da “máfia dos precatórios”.

Na quinta-feira 20, conclusão desta reportagem, havia rumores no Acre de uma iminente operação da Polícia Civil estadual no caso dos precatórios. Um inquérito policial sigiloso corre aos cuidados do delegado Pedro Henrique Resende Teixeira Campos. CartaCapital obteve uma cópia.

A investigação da “máfia dos precatórios” é outra dor de cabeça para o governador

Precatórios são dívidas pagas pelo poder público por ordem judicial. O que está sob investigação é a existência de um esquema que espetou nos cofres públicos a conta de honorários advocatícios fixados em acordos privados de compra e venda de precatórios. Uma engrenagem que seria acobertada por gente do governo. Em 3 de setembro do ano passado, dia da abertura do inquérito, o juiz que cuidava de precatórios no Tribunal de Justiça do Acre entre 2019 e 2021, Lois Carlos Arruda, depôs à polícia. E confirmou denúncia feita sete meses antes por um ex-procurador-geral do Acre, Edmar Azevedo Monteiro Filho. Este havia dito que, no governo, inclusive no gabinete de Cameli, falava-se abertamente do esquema, de mais de 20 milhões àquela altura, e que o governador sabia. O denunciante implicara o então procurador-geral do estado, João Paulo Setti, demitido em dezembro, e uma empresa, a P&H Contabilidade, ligada ao advogado de Cameli na campanha de 2018 e em três processos de 2016, Cristopher Mariano, do qual a primeira-dama foi sócia em 2021. Leia Aqui

Assista Aqui a entrevista do ex-Procurador Edmar Monteiro

 

O esquema, conforme Monteiro Filho, poderia ser vislumbrado em um processo movido contra Mariano em 2019. No ano anterior, o advogado havia sido contratado por uma colega de profissão, Maria do Socorro Castro Rodrigues, para negociar um precatório com um agente privado. Daria um desconto no valor total, para botar a mão em grana logo. Mariano arranjou um interessado, que não queria aparecer e foi representado pela P&H. Maria do Socorro acha que foi enganada, que teve de aceitar desconto maior e processou Mariano em 1,2 milhão por dano moral. O honorário que cabia a ela pagar ao advogado no acordo de venda do precatório teria sido cobrado por ele do poder público. Detalhe: Mariano foi nomeado por Cameli no início do governo para ser diretor-executivo da Junta Comercial do Acre.

À polícia, o juiz Arruda contou que, em 2019, Setti, então procurador-geral de Cameli, pedira uma audiência sobre precatórios ao então presidente do TJ do Acre, Francisco Djalma da Silva. Na época, Arruda havia cancelado vários pagamentos, por ilegalidades, como a inclusão de honorários privados. Em uma reunião entre os três, Setti teria defendido que os honorários teriam, sim, de ser pagos com precatório, ou seja, pelo povo. Djalma depôs em 13 de setembro e confirmou tudo.

A suspeita de quem acompanha o caso é de que o esquema nasceu antes da gestão Cameli e ganhou impulso após a sua posse. Repita-se: Mariano foi advogado do governador antes e durante a campanha, depois ganhou cargo público. A empresa P&H é de uma advogada, Nayara de Souza, sócia do irmão de Mariano, Sanderson, em outra firma, a Seven. À reportagem, Mariano disse que não faz “intermediação de venda de precatórios”, que Nayara entrou na Seven só em dezembro de 2019, e que, no processo movido por por Maria do Socorro, houve um acordo. Já Setti respondeu: “Não participei nem tenho conhecimento de nenhum esquema de pagamento indevido de honorários por meio de precatórios”. Sua demissão em 23 de dezembro teria sido “a pedido”. O que se comenta no Acre é que, com a demissão, Cameli quis impedir uma operação policial, a mesma agora iminente. Com Setti fora do governo, o inquérito teria de sair da segunda instância para a primeira. Isso havia ocorrido brevemente em novembro.

Cameli estava na Europa e seu vice, o Major Rocha, demitiu Setti, em razão do escândalo. Uma semana depois, de volta ao Brasil, o governador devolveu o degolado ao posto.

Matéria original em Carta Capital

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